quarta-feira, 29 de março de 2017

Um poema de amor, Bukowski


todas as mulheres
todos os beijos delas as
formas variadas como amam e
falam e carecem

suas orelhas elas todas têm
orelhas e
gargantas e vestidos
e sapatos e
automóveis e ex-
maridos.

principalmente
as mulheres são muito
quentes elas me lembram a
torrada amanteigada com a manteiga
derretida
nela.

há uma aparência
no olho: elas foram
tomadas, foram
enganadas. não sei mesmo o que
fazer por
elas.

sou
um bom cozinheiro, um bom
ouvinte
mas nunca aprendi a
dançar – eu estava ocupado
com coisas maiores.

mas gostei das camas variadas
lá delas
fumar um cigarro
olhando pro teto. não fui nocivo nem
desonesto. só
um aprendiz.

sei que todas têm pés e cruzam
descalças pelo assoalho
enquanto observo suas tímidas bundas na
penumbra. sei que gostam de mim algumas até
me amam
mas eu amo só umas
poucas.

algumas me dão laranjas e pílulas de vitaminas;
outras falam mansamente da
infância e pais e
paisagens; algumas são quase
malucas mas nenhuma delas é
desprovida de sentido; algumas amam
bem, outra nem
tanto; as melhores no sexo nem sempre
são as melhores em
outras coisas; todas têm limites como eu tenho
limites e nos aprendemos
rapidamente.

todas as mulheres todas as
mulheres todos os
quartos de dormir
os tapetes as
fotos as
cortinas, tudo mais ou menos
como uma igreja só
raramente se ouve
uma risada.

essas orelhas esses
braços esses
cotovelos esses olhos
olhando, o afeto e a
carência me
sustentaram, me
sustentaram.

Outra cama, Bukowski



outra cama

outra cama
outra mulher
mais cortinas
outro banheiro
outra cozinha
outros olhos
outro cabelo
outros
pés e dedos.
todos à procura.
a busca eterna.
você fica na cama
ela se veste para o trabalho
e você se pergunta o que aconteceu
à última
e à outra antes dela…
é tudo tão confortável —
esse fazer amor
esse dormir juntos
a suave delicadeza…
após ela sair você se levanta e usa
o banheiro dela,
é tudo tão intimidante e estranho.
você retorna para a cama e
dorme mais uma hora.
quando você vai embora é com tristeza
mas você a verá novamente
quer funcione, quer não.
você dirige até a praia e fica sentado
em seu carro. é meio-dia.
— outra cama, outras orelhas, outros
brincos, outras bocas, outros chinelos, outros
vestidos
cores, portas, números de telefone.
você foi, certa vez, suficientemente forte para viver sozinho.
para um homem beirando os sessenta você deveria ser mais
sensato.
você dá a partida no carro e engata a primeira,
pensando, vou telefonar para janie logo que chegar,
não a vejo desde sexta-feira.

Charles Bukowski, Poema “Cerveja”, No livro O amor é um cão dos diabos.

                                                                    CERVEJA
''Não sei quantas garrafas de cerveja consumi esperando que as coisas melhorassem. Não   sei quanto vinho e uísque e cerveja, principalmente cerveja consumi depois de      rompimentos com mulheres. Esperando o telefone tocar. Esperando o som dos passos, e o telefone nunca toca antes que seja tarde demais e os passos nunca chegam antes que seja tarde demais. Quando meu estômago já está saindo pela boca elas chegam frescas como flores de primavera: "Mas que diabos você está fazendo? Vai levar três dias antes que você possa me comer!“ A mulher é durável, vive sete anos e meio a mais que o homem, bebe pouca cerveja porque sabe como ela é ruim para a aparência. Enquanto enlouquecemos elas saem, dançam e riem com caubóis cheios de tesão. Bem, há a cerveja, sacos e mais sacos de garrafas vazias de cerveja e quando você pega uma, as garrafas caem através do fundo úmido do saco de papel rolando, tilintando, cuspindo cinza molhada e cerveja choca, ou então os sacos caem às 4 horas da manhã produzindo o único som em sua vida. Cerveja, rios e mares de cerveja, cerveja, cerveja, cerveja. O rádio toca canções de amor enquanto o telefone permanece mudo e as paredes seguem paradas e estáticas, e a cerveja é tudo o que há.''
           —  Charles Bukowski.

O Pássaro azul



O Pássaro azul, Bukowski
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei
que ninguém o veja.

há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.

há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo,
fique aí, quer acabar
comigo?
quer foder com minha
escrita?
quer arruinar a venda dos meus livros na
Europa?
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
eu digo, sei que você está aí,
então não fique
triste.
depois o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
com nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, e
você?

Um poema quase feito, Bukowski



   Um poema quase feito, Bukowski



 ''Eu vejo você bebendo numa fonte com suas minúsculas mãos azuis, não, suas mãos não  são minúsculas, elas são pequenas e a fonte é na França de onde você me escreveu aquela  última carta, eu respondi e nunca mais obtive retorno. Você costumava escrever poemas  insanos sobre ANJOS E DEUS, tudo em caixa alta, e você conhecia artistas famosos e  muitos deles eram seus amantes, e eu escrevia de volta, está tudo bem, vá em frente, entre  na vida deles, não sou ciumento porque nós nem nos conhecemos. Estivemos perto uma  vez em New Orleans, metade de uma quadra, mas nunca nos encontramos, nunca um  contato. Assim você seguiu com os famosos, escreveu sobre os famosos, e, claro, descobriu  que os famosos estavam preocupados com a fama deles – não com a jovem e bela garota  em suas camas, que lhes dava aquilo, e que acordava de manhã para escrever em caixa alta  poemas sobre ANJOS E DEUS. Nós sabemos que Deus está morto, eles nos disseram, mas  ao ouvi-la eu já não tinha certeza. Talvez fosse a caixa alta. Você era uma das melhores  poetas e eu disse para os editores, “publiquem-na, publiquem-na, ela é louca mas é mágica.  Não há mentira em seu fogo”. Eu te amei como um homem ama uma mulher que jamais  tocou, para quem apenas escreveu, de quem manteve algumas fotografias. Eu poderia ter  te amado mais se eu tivesse sentado numa pequena sala enrolando um cigarro e ouvindo  você mijar no banheiro, mas isso não aconteceu. Suas cartas ficaram mais tristes. Seus  amantes te traíram. Criança, escrevi de volta, todos os amantes traem. Isso não ajudou.  Você disse que tinha um banco em que ia chorar e que ficava numa
 ponte e a ponte ficava sobre um rio e você sentava no seu banco de
 chorar todas as noites e descia o pranto pelos amantes que
  te machucaram e te esqueceram. Escrevi de volta mas não obtive
 qualquer retorno. Um amigo me escreveu contando do seu suicídio 3 ou 4 meses depois de  consumado. Se eu tivesse te conhecido provavelmente teria sido injusto com você ou você  comigo. Foi mesmo melhor assim.''
                        —  Charles Bukowski