quarta-feira, 29 de março de 2017

Um poema quase feito, Bukowski



   Um poema quase feito, Bukowski



 ''Eu vejo você bebendo numa fonte com suas minúsculas mãos azuis, não, suas mãos não  são minúsculas, elas são pequenas e a fonte é na França de onde você me escreveu aquela  última carta, eu respondi e nunca mais obtive retorno. Você costumava escrever poemas  insanos sobre ANJOS E DEUS, tudo em caixa alta, e você conhecia artistas famosos e  muitos deles eram seus amantes, e eu escrevia de volta, está tudo bem, vá em frente, entre  na vida deles, não sou ciumento porque nós nem nos conhecemos. Estivemos perto uma  vez em New Orleans, metade de uma quadra, mas nunca nos encontramos, nunca um  contato. Assim você seguiu com os famosos, escreveu sobre os famosos, e, claro, descobriu  que os famosos estavam preocupados com a fama deles – não com a jovem e bela garota  em suas camas, que lhes dava aquilo, e que acordava de manhã para escrever em caixa alta  poemas sobre ANJOS E DEUS. Nós sabemos que Deus está morto, eles nos disseram, mas  ao ouvi-la eu já não tinha certeza. Talvez fosse a caixa alta. Você era uma das melhores  poetas e eu disse para os editores, “publiquem-na, publiquem-na, ela é louca mas é mágica.  Não há mentira em seu fogo”. Eu te amei como um homem ama uma mulher que jamais  tocou, para quem apenas escreveu, de quem manteve algumas fotografias. Eu poderia ter  te amado mais se eu tivesse sentado numa pequena sala enrolando um cigarro e ouvindo  você mijar no banheiro, mas isso não aconteceu. Suas cartas ficaram mais tristes. Seus  amantes te traíram. Criança, escrevi de volta, todos os amantes traem. Isso não ajudou.  Você disse que tinha um banco em que ia chorar e que ficava numa
 ponte e a ponte ficava sobre um rio e você sentava no seu banco de
 chorar todas as noites e descia o pranto pelos amantes que
  te machucaram e te esqueceram. Escrevi de volta mas não obtive
 qualquer retorno. Um amigo me escreveu contando do seu suicídio 3 ou 4 meses depois de  consumado. Se eu tivesse te conhecido provavelmente teria sido injusto com você ou você  comigo. Foi mesmo melhor assim.''
                        —  Charles Bukowski

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